Atilio Boron,
18/10/2025,
Publicado em Pagina 12 (12/10/2025),

A concessão do Prêmio Nobel da Paz a María Corina Machado é a culminação de um longo processo de decomposição moral e política que afetou de forma irreparável esse galardão. Poderão continuar concedendo-o, ano após ano, mas o desagradável odor de sua incoerência ética e de seu oportunismo político a serviço de Washington o acompanhará para sempre.
Claro que o ocorrido nestes dias não é novidade. O prêmio já estava desacreditado há muito tempo. Embora, em algumas exceções, tenha sido entregue a pessoas cuja trajetória demonstrava claramente um compromisso com a paz — como Martin Luther King (1964), Madre Teresa de Calcutá (1979), Adolfo Pérez Esquivel (1980), o bispo sul-africano Desmond Tutu (1984) e Nelson Mandela (1993), entre poucos outros —, a entrega do prêmio a Henry Kissinger em 1973, um assassino em série responsável pelos brutais bombardeios contra o Vietnã e pela desestabilização de processos democráticos como o Chile de Salvador Allende, marcou de forma indelével a depravação da ideia original de Alfred Nobel, que era premiar pessoas ou organizações que lutassem pelo império da paz e pela resolução pacífica dos conflitos.
O mesmo se pode dizer da premiação de Barack Obama, insolitamente concedida poucos meses após o início de seu mandato “por seus extraordinários esforços para fortalecer a diplomacia internacional e a colaboração entre os povos”, segundo o comunicado oficial. Infelizmente, os fatos desmentiram o Comitê Nobel, pois durante os oito anos de sua administração Obama não passou um só dia sem travar guerras ou executar operações militares no exterior. Nesse período, ordenou 563 ataques — principalmente com drones — para eliminar “alvos terroristas” no Paquistão, Somália e Iêmen, um número escandaloso quando comparado aos 57 ataques ordenados pelo governo de George W. Bush, o inventor da “guerra ao terrorismo”. Entre 384 e 807 civis morreram nesses países, na grande maioria dos casos quando o ocupante da Casa Branca já ostentava o título de Nobel da Paz.
A premiação de María Corina Machado é mais uma adição a esse sombrio inventário. Machado é uma persistente cultora da violência, hábito mantido desde o momento em que Hugo Chávez Frías foi eleito presidente da Venezuela, em dezembro de 1998. Assim que o líder bolivariano assumiu o cargo, Machado e outros personagens da velha e corrupta política da Quarta República começaram a conspirar. Seus planos se concretizaram em 11 de abril de 2002, com o golpe de Estado que, milagrosamente, não tirou a vida de Chávez.
Os golpistas elaboraram uma “Ata de Constituição do Governo de Transição Democrática e Unidade Nacional”, que deu início ao governo de fato presidido por Pedro Carmona, então presidente da poderosa Fedecámaras. Sua “gestão democrática” foi exemplar — exceto pela brevidade. Mas não perdeu tempo: em seu primeiro ato oficial dissolveu a Assembleia Nacional, o Tribunal Supremo de Justiça e o Conselho Nacional Eleitoral; destituiu o Fiscal-Geral, o Controlador da República e o Defensor do Povo; removeu governadores, prefeitos e vereadores; demitiu diplomatas e eliminou as leis habilitantes e a Constituição bolivariana, restaurando o antigo nome do país, “Venezuela”.
Todo esse ataque à institucionalidade democrática foi ratificado por uma reunião das “forças vivas” no Palácio de Miraflores, que endossaram o novo regime assinando o documento citado. Entre os signatários estava María Corina Machado.
Foi esse apenas um “pecadinho de juventude”? Não — foi apenas o começo de uma carreira marcada pelo apelo constante à violência. Em 31 de maio de 2005, viajou a Washington para se reunir com o presidente George W. Bush na Casa Branca, pedindo ajuda para derrubar o governo constitucional da Venezuela — em outras palavras, uma intervenção militar norte-americana que teria causado um banho de sangue.
Insistiu nessa conduta e, em março de 2014, durante as violentas “guarimbas” — barricadas de grupos armados de direita — organizadas para derrubar o governo, Machado reapareceu como “embaixadora alterna” do Panamá na OEA, embora fosse deputada venezuelana. Seu objetivo: solicitar, em ato de traição à pátria, uma intervenção militar multinacional contra seu próprio país para derrubar o presidente Nicolás Maduro.
Em 2017, as “guarimbas” ressurgiram com o apoio da direita venezuelana e dos EUA, sem que Machado — agora Nobel da Paz — condenasse minimamente tais crimes. Pelo contrário, continuou pedindo intervenções estrangeiras e jamais condenou os que bloqueavam ruas, queimavam pessoas vivas ou atacavam civis suspeitos de serem chavistas.
Durante anos, essa “patriótica” líder apelou a governos dos EUA e da União Europeia por sanções duríssimas contra a Venezuela. Também foi julgada por conspiração ao receber, por meio de sua ONG, fundos do National Endowment for Democracy — financiado pelo Congresso dos EUA — para campanhas de desestabilização.
María Corina Machado é a própria personificação dos métodos violentos do fascismo. Em quase todos os países seria julgada severamente por pedir invasão estrangeira e sanções que causam sofrimento ao seu povo. Sua subserviência ao império a mantém em silêncio diante do genocídio em Gaza e dos riscos de agressão dos EUA no Caribe. Não surpreende que tenha dedicado seu Nobel a Donald Trump, nem que a mídia ocidental a celebre como heroína da paz, dos direitos humanos e da democracia.
Tantos elogios são compreensíveis: vêm dos mesmos meios e governos que fecharam os olhos e financiaram o genocídio em Gaza. Ler a imprensa ocidental, salvo raras exceções, causa repulsa diante de tantas mentiras e duplos padrões. Por isso, os países do Ocidente coletivo — em franca e irreversível decadência — celebram com euforia o Nobel concedido a María Corina Machado. Ao ser informado da premiação, o enviado especial de Donald Trump, Richard Grenell, comentou laconicamente: “O Prêmio Nobel morreu há anos.” Ele tem razão — mas faltava um último prego para selar o caixão. María Corina Machado o forneceu.
Texto original publicado em Pagina 12 (Argentina).
Tradução livre para o português.