Atilio Boron
17/09/2025 (Página 12)

O título desta nota pode levar a crer que o objetivo destas breves linhas será recordar as numerosas aventuras militares do imperialismo norte-americano em Nossa América, sobretudo na América Central e no Caribe, “a terceira fronteira imperial”, como definiu com felicidade o professor e ex-presidente da República Dominicana Juan Bosch. Mas não: nosso propósito é examinar as guerras atuais do imperialismo, aquelas que, até o dia de hoje, são travadas contra Cuba e a Venezuela. Apesar de a Cúpula da CELAC de 2014 ter declarado Nossa América como Zona de Paz, o certo é que os países acima mencionados são vítimas de uma guerra não declarada, mas nem por isso menos prejudicial. As mudanças no “arte da guerra” ao longo das últimas décadas tiveram, entre suas consequências, a de invisibilizar o enorme dano que hoje pode ser infligido às populações agredidas e ocultar, ao menos parcialmente, a responsabilidade criminal que cabe ao país agressor. Nos casos que nos ocupam, é os Estados Unidos quem, sem uma declaração formal de guerra — que exigiria uma lei do Congresso daquele país —, vem há mais de sessenta anos fazendo guerra a Cuba, com total impunidade, e há dez anos à Venezuela.
O caso venezuelano se distingue do cubano porque existe uma Ordem Executiva assinada em 9 de março de 2015 pelo então presidente Barack Obama, mediante a qual se declarava a “emergência nacional” diante da “ameaça incomum e extraordinária que a situação da Venezuela representava para a segurança nacional e a política externa dos Estados Unidos”. É difícil reler essas linhas sem pensar na soberana tolice de tal Ordem Executiva. A “segurança nacional” da maior potência militar e financeira do planeta ameaçada pela Venezuela bolivariana! O pretexto — porque para todo império há sempre um pretexto — foi sancionar sete funcionários dos organismos de segurança do Estado venezuelano que haviam participado do combate às sangrentas “guarimbas” que assolaram o país entre fevereiro e maio de 2014 e aos quais se acusava de práticas violatórias dos direitos humanos.
No caso cubano, as medidas coercitivas unilaterais começaram pouco depois do triunfo da Revolução, quando o presidente Dwight Eisenhower, em janeiro de 1960, proibiu a exportação de todos os produtos para Cuba (exceto alimentos e medicamentos) e reduziu a cota de açúcar que a ilha exportava aos Estados Unidos, afetando seriamente a economia cubana. Em março daquele ano, havia autorizado a CIA a organizar, treinar e equipar emigrados cubanos e outros mercenários para invadir Cuba com o objetivo de derrubar Castro, tentativa fracassada em abril de 1961 em Playa Girón. Poucos meses antes, em 3 de janeiro de 1961, Eisenhower havia rompido as relações diplomáticas com Cuba. A perversa progressão do bloqueio contra Cuba é bem conhecida, assim como seus efeitos devastadores sobre a vida econômica, social e política da ilha. Não existe nenhuma experiência na história universal — repito: na história universal — de um país ou região submetida, por uma grande potência dominante, a uma agressão econômica, comercial, financeira, diplomática, cultural, midiática, esportiva e migratória como a que Cuba, com dignidade e heroísmo exemplares, vem resistindo há 65 anos. Os problemas da economia cubana são incompreensíveis fora das devastadoras consequências de uma guerra que se estende por tantas décadas.
Com a aceleração do curso declinante do império americano e diante de sua crescente perda de influência na Ásia — cada vez mais centrada nos dois gigantes regionais, China e Índia —, com sua presença tênue no continente africano, o enfraquecimento irreversível dos países europeus, reduzidos à condição de dóceis servos do amo imperial e sem qualquer peso nem mesmo em seu entorno geopolítico imediato, como o Oriente Médio; e somando-se a isso o inesperado renascimento da Rússia como ator global, Washington reorganiza as prioridades de sua agenda de política externa e volta seus olhos para a América Latina e o Caribe, essa “retaguarda estratégica” do império, como a chamaram Fidel e o Che. De fato, nossa região é um formidável celeiro de recursos naturais, como definiu o ilustre venezuelano e grande secretário-geral da UNASUL, Alí Rodríguez Araque. E diante da mudança na correlação mundial de forças, em detrimento dos Estados Unidos, Donald Trump, encorajado por seus falcões — entre eles o fiel lobista do sionismo, Marco Rubio —, ordena que sua frota naval patrulhe o Caribe meridional, acosse pescadores venezuelanos em águas territoriais, os agrida e intimide e, segundo confissão própria, em alguns casos os assassine friamente após acusá-los, sem apresentar prova alguma, de serem narcotraficantes. Essas supostas “narcolanchas” pretendiam realizar uma verdadeira façanha náutica num mar protegido por cerca de quarenta bases militares norte-americanas, além de uma dezena de navios de guerra que patrulhavam a região, e que, apesar disso, se dirigiriam desafiantemente em pequenas embarcações supostamente carregadas de cocaína e fentanil rumo às costas dos Estados Unidos. A mentira é tão flagrante que a única conclusão possível é que, em seu desespero, Trump recorre a qualquer expediente, mentindo sem escrúpulos e inclusive executando a sangue frio pescadores de atum em aberta violação da legalidade de seu próprio país, que exige a detenção dos supostos delinquentes para levá-los a julgamento e a apreensão de sua carga para confirmar sua natureza.
Trata-se, portanto, de atos de agressão militar em uma guerra não declarada — mas guerra, afinal. Atos que se inscrevem em uma longa lista de agressões não militares, porém letais, que a Venezuela vem sofrendo nessa longa guerra que começa com a infame Ordem Executiva de Obama de 2015. Se o objetivo de uma guerra convencional é destruir, mediante o uso da força, as instalações militares, a infraestrutura e desestruturar por completo a vida econômica do país agredido, na guerra de quinta geração esses objetivos são alcançados por outros meios: medidas coercitivas unilaterais (vulgo: “sanções”), que produzem gravíssimos danos à economia, prejudicam as relações comerciais com terceiros países, desestimulam investimentos na Venezuela e destroem a normalidade da vida econômica interna; também atentados por meio de ciberataques a represas, pontes, refinarias, sistemas de abastecimento de água e energia elétrica e o colapso das redes sociais e da internet; campanhas de desinformação e satanização das autoridades do país agredido (por exemplo, inventando uma organização criminosa, o Cartel dos Sóis, e dizendo que seu chefe é o presidente Nicolás Maduro Moros); ou a organização e financiamento de grupos criminosos como as tristemente célebres “guarimbas” de 2014 e 2017 (ou, no Oriente Médio, a banda criminosa dos decapitadores em série do ISIS, segundo confissão de Hillary Clinton), além da criação de climas de terror e medo na população.
Em poucas palavras, devemos reconhecer que a Venezuela, assim como Cuba, está em guerra, e que a união do povo com seu governo e suas forças armadas foi o que até agora ergueu uma formidável barreira às pretensões do império, disposto a cometer qualquer crime para se apoderar da maior reserva comprovada de petróleo do mundo — situada na pátria de Bolívar e Chávez — e pôr fim à Revolução Cubana, esse farol exemplar que tem dado provas de uma resiliência absolutamente excepcional, sem precedentes na história universal. Para alcançar esses dois objetivos, Trump e seus comparsas são capazes de fazer qualquer coisa. E, se até agora não o fizeram, é porque ainda está muito fresca a memória das derrotas sofridas na Coreia, no Vietnã, no Líbano, no Afeganistão e em Playa Girón. Ou da “vitória” obtida no Iraque, que logo se transformou em derrota política, assim como a mais recente na Síria, onde Washington causou estupor e repulsa universais ao, depois de tramar a “primavera colorida” que derrubou o “regime” de Bashar al-Assad, ungir como presidente daquele país Al-Sharaa, um criminoso em série sobre cuja cabeça pesava uma recompensa de dez milhões de dólares por ser o líder do grupo terrorista islâmico Hayat Tahrir al-Sham (HTS). E sabem, na Casa Branca, que se intensificarem a agressão contra Cuba e Venezuela, um tsunami antiestadunidense percorrerá toda a América Latina e, provavelmente, também o Sul Global, onde há atores muito poderosos interessados em importar o petróleo venezuelano. Um novo tsunami que, tal como ocorreu no início do século, culminará com a derrota da ALCA, o grande projeto que os especialistas e analistas do império haviam elaborado para todo o século XXI.
Texto original publicado no jornal Página 12 (Argentina).
Tradução livre para o português.
https://www.pagina12.com.ar/858663-las-guerras-del-imperio-en-latinoamerica-y-el-caribe